A pós-modernidade que estamos vivendo tem levado a sociedade, em seu grosso, a um processo de desintegração de práticas exercidas pelos nossos avós e pais, como o estar junto, o ser simplesmente amigo.
Na última quarta-feira, perdi o meu pai, e pude verificar a manutenção da solidariedade em muitos e a perda dela em tantos outros amigos. Acredito que as pessoas pensam que não vale mais a pena ser solidário.
As pessoas não esperam mais isso de pessoa alguma. Ledo engano, pois ainda é cálida e reconfortante a presença de um amigo, a manifestação de um carinho em momento de dificuldade ou de dor. O doutor em Ciências Humanas Bona Sartor afirma que caracterizar solidariedade sob a perspectiva da simetria de obrigação e deveres gera alguns problemas de ordem epistemológica, uma vez que os indicadores de reciprocidade e cooperação não são óbvios, o que deveria ser, posto que estaremos sempre em alguma situação, em algum momento, onde precisaremos de um solidário. É fato verdadeiro, no entanto, que a solidariedade não visa ser uma simples relação de troca, não. O importante na existência na crença da solidariedade no mundo está em se garantir a manutenção de uma identificação do estado de necessidade comum a uma rede, a humanidade.
A perspectiva deontológica de Kant, por exemplo, atribui o agir por dever um modo de determinar a uma ação o valor moral. Ou seja, em um mundo onde estamos nos permitindo toda a sorte de desinteresse pelo outro, torna-se necessário, para não cair na vala comum da indiferença, a determinação da manutenção de alguns princípios, dentre eles, penso, a solidariedade, que se tornará um predicado “obrigatório”, em última análise, de um respeito a si, pois se compreende que nem sempre o dever é prazeroso, como, por exemplo, ser solidário na dor de outrem, pois, se perdermos a fé nos valores da vida, mesmo os impositivos, a civilização retrocede. Em contraponto, diz ainda Bona Sartor, a desintegração e a incapacidade de os indivíduos se identificarem com a vida comum, que, não obstante, é a pré-condição de suas próprias existências, geram des-solidaridade. Fiquemos atentos.