Fui assistir à pré-estreia do documentário de Chico Kertész: Axé, canto do povo de um lugar, simplesmente espetacular. Naturalmente, os que vivemos esta efervescência do estouro do ritmo baiano no Brasil inteiro guardamos apenas o seu efeito, em regra, porém não sabemos do seu processo, dos seus bastidores, e aí o documentário inova e resgata.
O axé levou e leva a milhares uma alegria espontânea, exprimindo uma linguagem que não guarda razão muito lógica para sua compreensão, mas cumpre o seu papel de festa, uma vez que este ritmo não traduz filosofia alguma específica, ou seja, não se trata de música veiculadora de ideologia, assim entendo, mas de estímulo à pura e simples alegria. Muitos tentam ridicularizá-la, atribuindo a não expressão poética das letras a algo sem valor. Esquecem, porém, de vislumbrar que a música baiana realiza a arte de envolver multidões, parece fazer ponte com uma energia primal, que carregamos, mas não a visitamos constantemente.
O documentário de Chico revela o processo, a fervura do combustível que fez com que o eixo da arte musical se deslocasse do Sudeste – Rio e São Paulo – e focasse o Nordeste, a Bahia, mas sem desterrar os seus artistas. A partir do axé os seus intérpretes não mais precisaram sair de sua terra para garantirem o sucesso.
O documentário faz uma investigação histórica, expondo lances de bastidores, em geral totalmente desconhecidos pelo grande público. Não pauta o seu roteiro em estruturar nenhuma espécie de louvação, não. Marca fatos, revendo acontecimentos, resgatando imagens e depoimentos dos artistas e produtores protagonistas desta música que embalou tantos amores, desamores – encontros e desencontros. Não se trata, seguramente, de arroubos nostálgicos, ainda que remeta aos que acompanham esta trajetória musical a lances pessoais de suas vidas. Não busca reviver lembranças esquecidas dos beijos roubados e amores furtivos ou não. O documentário guarda para sempre o que hoje muitos dizem estar em decadência: o axé music. É legado para a história.
O documentário assume a responsabilidade de registrar para o futuro, por exemplo, o porquê Daniela Mercury é considerada rainha do axé, diga-se justamente, pelo que fez e alavancou, mas, sem dúvida alguma, reconhece Luiz Caldas, Sara Jane, Banda Reflexus, dentre outros... como obreiros da primeira hora de um estilo de fazer música e história. Sem deixar de dar o valor às conquistas artísticas dos que chegaram depois, como Ivete Sangalo, que se notabiliza como a maior de todas as estrelas do axé. O documentário de Chico Kertész desnuda a força, a fraqueza, os percalços deste mundo milionário em que se tornou o axé, como canto de um povo de um lugar: Bahia.
José Medrado
Mestre em Família pela Ucsal e fundador da Cidade da Luz