Caetano Veloso em sua música Deus e o diabo, canta: O carnaval é a invenção do diabo // Que Deus abençoou. Soa escândalo para os religiosos de plantão e vigilantes da conduta alheia, principalmente proclamado por um religioso, aí, dirão muitos: - É o fim do mundo. Mas sob o ponto de vista dos estudos psicológicos o baiano pode simbolicamente estar certo. Segundo a abordagem junguiana nós possuímos vários pólos opostos dentro de nós: amor/ódio, vida/morte, confiança/traição, puerilidade/sabedoria, profano/sagrado, entre outros. Apesar de opostos, um lado precisa do outro para existir. A totalidade do ser só é possível quando reconhecemos esses lados (principalmente os não adequados) e trabalhamos para uma integração saudável entre eles. Tentar eliminar um pólo em detrimento de outro não é benéfico e nos distancia da realização e do bem-estar, defende muitos estudiosos da área.
Dessa forma, o Carnaval tem se mostrado, sim, necessário, como uma quase indispensável catarse, uma liberação psíquica que o ser humano encontra como instrumento na tentativa de superação de seus traumas, suas opressões, seus desencantos e frustrações. O filósofo Aristóteles se referia à catarse como purificação das almas, através de descargas emocionais. Há uma liberação das dores contidas, da irritação acumulada, da sexualidade reprimida, em muitos, dando, assim, lugar a uma euforia, até mesmo aos excessos de liberação, como forma de escape a tudo que se acumulou nos meses antecedentes. Claro que esta catarse é superficial, uma vez que não há a solução efetiva dos fatores estressores do folião, mas apenas uma descarga, uma supuração das feridas mantidas sob curativo artificial.
Há uma supressão das barreiras pessoais importantes para o equilíbrio desses opostos citados por Jung, a fantasia traz a possibilidade de projetarmos externamente conteúdos internos que permeiam nossa imaginação. Através das cores e dos personagens brincamos de forma mais livre com esses conteúdos. O momento do carnaval é propício para isso, é quando a brincadeira e a criatividade são permitidas e estimuladas pela maioria, afirmam os estudiosos do comportamento humano.
Por outro lado, no entanto, também, se permite evidenciar as barreiras da segregação entre diferentes, como parte indesejável, mas infelizmente constitutiva de nossa sociedade tão desigual. Falo dos vendedores com suas caixas de isopor e seus filhos dormindo ao lado, dos que guardam os que brincam... o atento ao Carnaval se permite olhar com crítica para as fissuras que constituem a nossa desigualdade, inclusive entre os que brincam e da forma que o fazem, considerando que cada um está ali em conexão com os seus desejos e vontades, aprisionados, reprimidos ao longo de todo o ano. São as liberações, infelizmente, inclusive, dos que saem para espancar os outros. Eles são assim, isso está dentro deles, e precisam ser coibidos.
Do ponto de vista psicanalítico esse é o momento do ID, que segundo Freud é uma instância psicológica que todos nós possuímos, regida pelos impulsos do prazer, guiada pela satisfação dos desejos e não por suas consequências, o que, muitas vezes, é exatamente o gerador dos arrependimentos pós-Carnaval, ou não.
* José Medrado é líder espírita, fundador da Cidade da Luz, palestrante espírita e mestre em Família pela UCSal. Também é apresentador de rádio.