Algumas pessoas se escandalizaram com o desfile da Escola de Samba Gaviões da Fiel que trouxe uma figura bíblica (há quem se reporte a ser Jesus e outros Santo Antão) sendo surrada pelo Satanás.
Em verdade, a mim não importa quem era o representado, mas, de logo, entendo que a função da arte também é provocativa, inclusive pelo direito que possui de se expressar como quer, calçada pelos princípios constitucionais brasileiros. Ora, a história tem evidenciado, ao longo da sua caminhada, manifestações contrárias à exposição de valores que vão se reestruturando de acordo com o processo de questionamento da sociedade, em momentos específicos da sua caminhada. É preciso aqui, por oportuno, dizer que valores não são princípios, pois estes são atemporais e até inflexíveis, mas aqueles são retratos de uma época, de uma cultura, de uma sociedade, circunscritos no tempo e espaço. Assim sempre modificáveis.
No livro “Fim da Rebelião”, o escritor Elder Fuzatto noticia ipsis litteris: “Os três anos e meio foram o reinado de terror da Revolução Francesa (...) por meio de um decreto legislativo que declarou: Não há Deus; o culto ao Deus Vivo foi abolido e todas as Bíblias e livros religiosos foram queimados e proibidos pelo governo francês, e a palavra de Deus assim como Deus, foram considerados mortos! Todas as igrejas foram fechadas e a adoração ao Deus Altíssimo foi proibida (...) uma prostituta foi elevada ao patamar de deusa da razão e todos deveriam adorá-la (...).”. Sim, e daí? Não foi uma manifestação artística, mas um ato governamental. Gerou o quê?
Uma obra de arte, portanto, não tem que agradar, mas vincular o seu brado, ser a leitura do seu artista, com a sua régua de compreensão, não com conceitos morais de quem quer que seja. Impor o que concebo por arte, e fazer com que o artista crie de acordo com as minhas concepções é arrogância, de me achar detentor dos valores que não me pertencem. Quem não conhece, ou não ouviu falar da licença poética, que “é uma incorreção de linguagem permitida na poesia. Em sentido mais amplo, são opiniões, afirmações, teorias e situações que não seriam aceitáveis fora do campo da literatura”.
Então? Em Mateus 4, lemos a tentação que Jesus sofreu. O carnavalesco quis, na sua liberdade de conceber, acrescer agressões físicas. E daí? Aprendi que o que não me atinge, não me ofende. Posso ver esta e aquela demonstrações como sendo de infeliz inspiração, mas é apenas a minha opinião, posso inclusive discordar, mas no restrito direito do meu expressar. Perderia, no entanto, o valor de crítica quando eu avançasse sobre o artista, desqualificando a sua concepção, ou o classificando com epítetos, ou ainda questionando o seu direito de criar como queira.
O meu Cristo é soberano, forte, impoluto, mas é o meu Cristo, e que cada um O conceba pelos seus sentimentos e conceitos, pois ninguém O fará, em minha alma, diferente. Ainda que alguém não O entenda como eu O vejo e aceito, é o direito de cada um, ora.
*José Medrado é líder espírita, fundador da Cidade da Luz, palestrante espírita e mestre em Família pela UCSal. Escreve para o BNews às segundas-feiras.